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    postado em 24/10/2024 10:40

    Os manguezais brasileiros armazenam um estoque de dióxido de carbono (CO?) avaliado em pelo menos R$ 48,9 bilhões no chamado mercado de carbono. Esses ecossistemas marcam uma transição entre ambientes marinhos e terrestres e apresentam água salobra – mistura da água salgada e doce. 

    Esse valor é estimado a partir de 1,9 bilhão de toneladas de CO? armazenadas em 13.906 quilômetros quadrados (km²) ao longo da costa brasileira, área equivalente a nove cidades de São Paulo. O CO?, também chamado de gás carbônico, é um dos principais gases causadores do efeito estufa e contribui para aquecer a temperatura do planeta.

    Assim, manter o carbono estocado na vegetação é uma forma de evitar o aquecimento da Terra. Indo além, é uma forma de gerar riqueza a partir do mercado de carbono, que consiste na compra de créditos para compensar passivos de poluição.

    Por exemplo, uma empresa que exerce atividade poluidora – petroleira ou siderúrgica, por exemplo – pode comprar créditos de carbono como forma de compensar a poluição que ela provoca. Esses créditos podem ser gerados pelos “vendedores” por meio de ações de recuperação ambiental ou simplesmente pela manutenção e preservação da floresta.

    Um crédito de carbono equivale a uma tonelada de CO?, tendo sido comercializado no Brasil a US$ 4,6 (R$ 25,85). Esse valor se refere ao mercado voluntário de carbono, praticado no país.
     

    Em uma economia de baixo carbono estima-se que esse crédito pode ser negociado a US$ 100 (R$ 562), levando a valorização do estoque dos manguezais brasileiros para R$ 1,067 trilhão.

    As economias de baixo carbono são aquelas em que há mais interesse em reduzir as emissões de gases poluentes e que negociam o carbono no mercado regulado (em vez do voluntário), que impõe a obrigação de diminuir a liberação de CO? na atmosfera.

    O cálculo financeiro do potencial de mitigação das mudanças climáticas atribuído aos manguezais faz parte do estudo Oceano sem Mistérios: carbono azul dos manguezais, divulgado nesta quinta-feira (24) pelo projeto Cazul, ligado à organização não-governamental Guardiões do Mar. É a primeira vez que uma pesquisa desse tipo é feita em escala nacional.
     

    Guapimirim (RJ), 16/10/2024 - Capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) no manguezal do Rio Macacu, que desagua na Baía de Guanabara, na Estação Ecológica da Guanabara, na Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapi-Mirim.  Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
    Guapimirim (RJ) Capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) no manguezal do Rio Macacu, que desagua na Baía de Guanabara, na Área de Proteção Ambiental de Guapi-Mirim - Fernando Frazão/Agência Brasil

    Lançamento

    O levantamento foi lançado durante a 16ª Conferência de Biodiversidade da Organização das Nações Unidas (COP 16), que ocorre até o dia 1º de novembro em Cali, na Colômbia.

    O trabalho científico e ambiental inédito é apoiado pela Fundação Grupo Boticário, instituição sem fins lucrativos do Grupo Boticário dedicada à proteção da natureza.

    A plataforma Cazul utilizou imagens de satélite e dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para mapear as áreas de mangue no país.

    O mapeamento revela que o Brasil tem manguezais em 16 dos 17 estados litorâneos, especialmente no Pará, Maranhão e Amapá. O Rio Grande do Sul é o único estado do litoral brasileiro sem a presença de mangues.
     

    Magé (RJ), 15/10/2024 - Área de manguezal, recuperada após desastre ambiental, no Parque Natural Municipal Barão de Mauá, na margem da Baía de Guanabara. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
    Área de manguezal recuperada após desastre ambiental, no Parque Natural Municipal Barão de Mauá, na margem da Baía de Guanabara - Fernando Frazão/Agência Brasil


    Em todo o país são 300 municípios com o ecossistema. A costa amazônica detém a maior faixa contínua de manguezais do mundo.

    Os mais de 13 mil quilômetros quadrados (km²) de manguezais na costa posicionam o Brasil com 8% das áreas de mangue do mundo, perdendo apenas para a Indonésia, que detém 20%.

    O estudo aponta que, nos últimos 27 anos, o estoque de carbono azul no Brasil se expandiu, em média, 2,9 milhões de toneladas por ano. Isso representa que o potencial do reservatório nacional no mercado de compensação ambiental pode aumentar anualmente de R$ 75,2 milhões (mercado voluntário) a R$ 1,6 bilhão (cenário desejável em uma economia de baixo carbono).

    Carbono azul

    Guapimirim (RJ), 16/10/2024 - A pesquisadora Laís Oliveira, da Plataforma Cazul, na Estação Ecológica da Guanabara, na Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapi-Mirim.  Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
    Guapimirim (RJ) - A pesquisadora Laís Oliveira, da Plataforma Cazul, na Estação Ecológica da Guanabara - Fernando Frazão/Agência Brasil

    Durante o processo de respiração das plantas, a fotossíntese, as árvores absorvem CO? da atmosfera. Parte do gás volta ao ambiente externo, e o restante é armazenado nos caules, troncos, galhos, raízes e demais estruturas, tanto acima como abaixo do solo. Assim se forma o estoque de carbono que deixou de ser emitido na atmosfera. Em ecossistemas marinhos e costeiros, como os mangues, esse carbono é conhecido como carbono azul.

    A pesquisadora Laís Oliveira, líder executiva da plataforma Cazul, explica que a característica do solo dos manguezais, formado por lama (também chamada de substrato), contribui para que a capacidade de sequestro de carbono seja até cinco vezes maior que a de outras florestas.

    “Essa lama é um sedimento superfino, tem pouco espaço entre as partículas. Esse pouco espaço faz com que tenha menos oxigênio, e esse menos oxigênio faz com que tudo se decomponha muito mais lentamente. Por se decompor mais lentamente, essa matéria orgânica demora mais a liberar carbono na atmosfera”, detalha Laís à Agência Brasil, durante uma expedição no Parque Natural Municipal Barão de Mauá, em Magé, na região metropolitana do Rio de Janeiro, onde há iniciativas de conservação de manguezais.

    “Quando a gente desmata essas áreas, além de perder esse estoque que está na biomassa sobre a superfície, a gente perde também aquele que está armazenado no solo. Por isso é tão importante manter as florestas em pé”, adverte Laís.

    Comunidades tradicionais

    Guapimirim (RJ), 16/10/2024 - O biólogo Pedro Belga, daONG Guardiões do Mar, na Estação Ecológica da Guanabara, na Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapi-Mirim.  Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
    Guapimirim - O biólogo Pedro Belga, daONG Guardiões do Mar, na Estação Ecológica da Guanabara - Fernando Frazão/Agência Brasil

    A pesquisadora acredita que a plataforma Cazul é uma forma de fazer a sociedade conhecer melhor o valor do carbono azul. Ela defende que com o desenvolvimento do mercado de carbono, populações que vivam e contribuam para a conservação desses ecossistemas devem ser beneficiadas pelos recursos gerados.

    “As comunidades mais afetadas pela atividade poluidora são as que mais precisam ser beneficiadas pelos recursos de pagamento de soluções ambientais e do crédito de carbono”, diz Laís Oliveira.

    Ela cita como exemplo o projeto Uçá, da Guardiões do Mar. Uçá é um tipo de caranguejo encontrado nos manguezais: “tem um mecanismo de pagamento de serviços ambientais que beneficia diretamente a comunidade que faz o recolhimento de lixo das áreas de mangue da Baia de Guanabara”.

    Filho de pescadores, o fundador da ONG Guardiões do Mar, Pedro Belga, reforça a importância de recursos do mercado de carbono chegarem a comunidades tradicionais, como quilombolas, agricultores familiares, catadores de caranguejos, quebradeiras de coco, caiçaras e marisqueiros, entre outros.

    “Eles são quem vivem no ambiente e do ambiente, daquele extrativismo no local. É uma tendência: os povos tradicionais estão se organizando; fóruns estão sendo criados. A Confrem é um exemplo disso, para discutir esse mercado, que precisa chegar nessas pontas”, afirma Pedro, se referindo à Comissão Nacional de Fortalecimento das Reservas Extrativistas, Povos e Comunidades Tradicionais Extrativistas Costeiras e Marinha (Confrem).

    O fundador da Guardiões do Mar critica a prática do greenwashing, termo em inglês utilizado para expressar a prática enganosa de empresas que propagam iniciativas “verdes”, porém sem ações efetivas.

    “Essas empresas precisam iniciar um processo de descarbonização, não é só comprar o crédito. É preciso descarbonizar gradualmente”, sugere.
     

    Magé (RJ), 15/10/2024 - Caranguejo aratu-vermelho (Goniopsis cruentata) em manguezal na Piedade banhado pelo Rio Majé, que desagua na Baía de Guanabara. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
    Magé (RJ) - O caranguejo aratu-vermelho (Goniopsis cruentata) em manguezal na Piedade banhado pelo Rio Majé, que desagua na Baía de Guanabara - Fernando Frazão/Agência Brasil

    Regulamentação

    Para a pesquisadora Laís, a divulgação do valor financeiro do estoque de carbono nos manguezais brasileiros funciona também como uma forma de fazer pressão pela regulamentação do mercado de carbono no país:

    “É um estímulo. Acho que o Brasil está um pouco atrasado. A gente tem que fazer pressão.”

    A regulamentação do mercado de carbono no país tramita no Congresso Nacional. O Projeto de Lei 182/2024 institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). A matéria já passou pela Câmara dos Deputados, onde foi aprovada em 2023.

    “Se a gente conseguir chegar nisso é bom, porque gera uma obrigação legal de compensação desses poluidores, enquanto no mercado voluntário não tem essa obrigação. E também, comparando com outros países que já têm mercado regulado, o valor estipulado para o crédito de carbono é sempre mais alto que no mercado voluntário”, observa Laís.

    Berçários marinhos

    Magé (RJ), 16/10/2024 - A ocenógrafa Liziane Alberti, especialista em conservação da biodiversidade da Fundação Grupo Boticário, com a Baía de Guanabara ao fundo. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
    Magé (RJ) - A ocenógrafa Liziane Alberti, especialista em conservação da biodiversidade da Fundação Grupo Boticário, com a Baía de Guanabara ao fundo - Fernando Frazão/Agência Brasil

    A oceanógrafa Liziane Alberti, especialista em conservação da biodiversidade na Fundação Grupo Boticário, apresenta outros fatores que evidenciam os manguezais como “heróis da conservação”. Segundo ela, o ecossistema atua como berçário da vida marinha.

    “Cerca de 80% das espécies de peixes, crustáceos e moluscos dependem desse ambiente em alguma fase de vida”, assinala.

    “Funcionam também como escudos naturais, protegendo da erosão, da tempestade e do aumento do nível do mar. Também atuam como filtros poderosos, purificando e absorvendo poluentes e contribuindo para a qualidade da água”, acrescentou Liziane à Agência Brasil, durante uma imersão em área de manguezais na Praia de Piedade, em Magé.

    O levantamento da Cazul indica que o Brasil já perdeu 25% da vegetação original dos manguezais, sendo que 60% das perdas foram ocasionadas por ações humanas.

    As principais ameaças para o ecossistema são o desmatamento para extração de carvão vegetal e madeira; desenvolvimento urbano, como construções indevidas; produção de alimentos como arroz, palma e camarão; pesca predatória, sem respeito ao período de defeso das espécies; poluição (resíduos químicos, agrotóxicos, derramamento de óleo, lixo e esgoto); e aumento do nível do mar, que diminui as áreas com condições propícias à sobrevivência dos manguezais.

    No começo de 2024, o BNDES lançou um fundo para incentivar a conservação de manguezais brasileiros, com investimentos próximos de R$ 50 milhões.

    *Repórter e fotógrafo da Agência Brasil viajaram a convite da Fundação Grupo Boticário
     

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