“Eu fui ficando, ficando, botei na escola, montei quarto”, lembra Marcele em entrevista à Agência Brasil. “Eu estava casada com a Renata. Depois de um ano, mais ou menos, a mãe pediu para levar ele de volta, porque ia se mudar e queria ir embora com o filho.”
Quando descobriu sua orientação sexual, Marcele, havia desistido de ter filhos, mas a tristeza com a experiência que viveu fez com que ela e Renata começassem a repensar a decisão. Sem conhecimento sobre métodos de reprodução assistida, elas pensaram em várias soluções, como ter o filho com um amigo, ou mesmo com um desconhecido. Como era o mês de maio, elas descobriram na internet uma clínica de fertilização in vitro em promoção, oferecendo consulta gratuita pelo Dia das Mães.
“Aí, a gente falou: vamos lá para ver qual é. É de graça. Vamos conhecer para saber porque, para a gente, isso era totalmente inacessível.” Durante a consulta, Marcele e Renata se encantaram com as possibilidades. Juntaram dinheiro e fizeram a fertilização. “A gente escolheu um doador mais parecido com a Renata, porque o óvulo seria meu.”
Marcele fez a fertilização in vitro, e veio a gravidez única do Théo que, atualmente, está com 9 anos. Quando o menino tinha 3 anos, o casal se separou, mas as duas continuam muito amigas e têm a guarda compartilhada do filho.
Assim como na história de Marcele e Renata, a reprodução assistida vem viabilizando a formação de famílias e, em consequência, permitindo a comemoração do Dia das Mães. A união estável homoafetiva foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como entidade familiar, em maio de 2011. A partir daí, o Conselho Federal de Medicina (CFM) concede aos casais homoafetivos femininos, e também aos masculinos, o direito de ter filhos, usando técnicas de reprodução assistida.
Para a diretora médica da Clínica Fertipraxis Centro de Reprodução Humana, Maria do Carmo Borges, a divulgação dos métodos de reprodução assistida é positiva para que não haja preconceito e para que essas famílias sejam vistas exatamente como são. Como famílias. Maria do Carmo afirma que a reprodução assistida entre casais homoafetivos femininos é uma realidade hoje no Brasil. Na clínica, a busca é grande: entre 25% e 30% dos atendimentos são de casais homoafetivos.
Métodos
De acordo com a especialista em reprodução humana, há várias maneiras de casais formados por mulheres terem filhos biológicos. Uma delas é a inseminação intrauterina ou inseminação artificial. Nesse tratamento, após o preparo do organismo da mulher, o sêmen do doador é depositado dentro da cavidade uterina. Logo, nesse método, a união entre os gametas (óvulo e espermatozoides) ocorre no organismo da mulher que vai gestar. Pode-se também colocar o embrião no útero da outra companheira.
O que não pode ocorrer no Brasil, por uma questão de rastreabilidade, é a colocação do embrião de uma das mulheres e o embrião da outra no mesmo útero, porque se perderia a rastreabilidade.
Outra possibilidade de reprodução assistida é a fertilização in vitro (FIV), na qual uma das mulheres está apta a gestar seu próprio óvulo por meio de uma fertilização com espermatozoide doado em laboratório. Os embriões são cultivados, selecionados e transferidos, já formados, para o interior do útero da mulher.
Outra maneira de geração de uma criança é o útero de substituição, conhecido popularmente como barriga solidária. No caso de um casal de mulheres, tal método é usado quando nenhuma das duas consegue gestar a criança. O que ocorre, em geral, é que uma delas fornece os óvulos, que serão fecundados com espermatozoides doados e transferidos para o útero de uma terceira mulher.
Segundo Maria do Carmo, a barriga solidária dentro de um casal não é problema, nem exige autorização do Conselho Regional ou Federal de Medicina. “Está dentro do casal”.
A especialista ressalta, entretanto, que o aluguel do ventre de uma mulher para geração de filho não é permitido no Brasil. Por isso, alguns casais homoafetivos masculinos buscam essa solução no exterior. No Brasil, casais de homens dependem de uma barriga solidária. Quando a mulher que vai levar a gestação é parente até quarto grau de um dos homens, não é necessária a autorização do Conselho de Medicina no Brasil. Porém, se eles não têm essa pessoa dentro da família, mas têm outra que é amiga e não depende economicamente deles, pode-se obter permissão.
“Esses casos são permitidos desde que não sejam com o fim de aluguel da barriga. Mas o óvulo não pode ser dessa mulher. Teria que ser de uma doadora anônima e, aí, seria necessário recorrer também à doação de óvulos. Para as mulheres, é mais simples, porque ambas vão ter o útero e a facilidade de decidir entre elas quem vai gestar e quando isso ocorrerá.”
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. Clique aqui e saiba mais.