Na ocasião, após os militares tomarem o poder, os partidos políticos foram proibidos, milhares de opositores ao regime foram presos, torturados ou mortos. As eleições para presidente só foram retomadas de maneira indireta em 1985.
Para a coordenadora do grupo de trabalho do Memorial Doi-Codi, Deborah Neves, que faz pós-doutorado em história na Universidade Federal da São Paulo (Unifesp), a luta contra o autoritarismo é uma disputa constante. “A democracia é uma construção diária. Não existe democracia consolidada e a gente tem percebido isso não apenas aqui no Brasil, mas no mundo todo. Tem havido um avanço da extrema direita que não é democrática, em outros países inclusive”, contextualizou.
Para mudar a situação no Brasil, Deborah acredita que para além dos esforços da sociedade civil organizada, é necessário que haja comprometimento do Poder Público. “Fizemos uma transição da ditadura para a democracia de forma negociada, mantendo alguns privilégios, mantendo essas pessoas em cargos de poder, mantendo as empresas privadas absolutamente ilesas sobre os crimes que cometeram ou que financiaram. De certa forma, existe uma sensação de impunidade na população”, acrescentou.
General exonerado
Para participar do almoço, no Rio de Janeiro, é preciso pagar o convite de R$ 95. Durante o evento, previsto para o próximo dia 27 de março, está previsto o discurso do general reformado Maynard Marques de Santa Rosa. Na divulgação não é informado que o oficial não está mais na ativa, como estabelece a Lei 6.880 de 1980.
O general foi exonerado em 2010 da chefia do Departamento Geral de Pessoal do Exército. Na ocasião, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que assinou a remoção do cargo, estava no segundo mandato. A exoneração ocorreu devido a nota divulgada por Santa Rosa com críticas à Comissão Nacional da Verdade (CVN), criada para apurar os crimes cometidos durante os 21 anos de ditadura militar.
No texto que levou a demissão do general, Santa Rosa afirmava que a comissão era comandada por “fanáticos”. Nesse mesmo ano, o general passou para a reserva.
Em dois anos e sete meses de funcionamento, a CNV identificou 434 mortos e desaparecidos políticos, vítimas da repressão do regime militar. O relatório final da comissão reconheceu, entretanto, que diversos crimes ainda precisão ser investigados, especialmente os cometidos contra as populações indígenas e camponesas que “certamente acarretarão a identificação de número maior de mortos e desaparecidos”.
A comissão também destacou que em 2014, quando o golpe de 64 fazia 50 anos, a data “não foi alvo de comemoração por qualquer segmento de expressão social”. Esse fato foi destacado pela CNV como parte do sucesso do resgate e preservação da memória social.
O ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, lembra ainda que a ditadura militar tem grande responsabilidade na desigualdade social vivida no país até hoje. “Quantos brasileiros e brasileiras poderiam ter sido salvos da ignorância, de doenças e do abandono se não fossem as políticas excludentes da ditadura brasileira?”, questionou o ministro ao participar da sessão que marcou a recomposição da Comissão de Anistia, em março de 2023.
O general Santa Rosa também comandou a Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República durante o primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro. Deixou o cargo em novembro de 2019.
O ex-presidente Bolsonaro e diversos integrantes de seu governo são atualmente investigados pela Polícia Federal, suspeitos de terem planejado um golpe de Estado.
Pouca importância
Em sua página na internet, o Clube Militar diz que foi fundado em 1887, sendo uma associação sem fins lucrativos com atuação em todo o território nacional. A entidade diz ainda ser “um fórum de discussão dos grandes temas nacionais, buscando soluções para os problemas brasileiros por meio de conferências, comissões, painéis, pareceres e campanhas”.
A reportagem da Agência Brasil entrou em contato com o clube para detalhar a posição sobre os fatos históricos que serão tratados no evento e aguarda resposta.
O professor de história da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Carlos Fico, diz que o almoço não é novidade e minimizou a relevância da entidade. “O Clube Militar sempre faz esse almoço e classifica assim [como movimento democrático] o golpe de Estado de 1964. Como o Clube Militar, há muitos anos, não tem importância política, esses eventos não têm maior significado”, afirmou o pesquisador. “É apenas a reafirmação da memória benevolente sobre o golpe que anima alguns setores da sociedade brasileira”, acrescentou.
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